Caros amigos,
Obrigado por dispensarem algum do vosso tempo para me escutar.
Uma abençoada noite, seja em casa, no aconchego da família, ou no cumprimento do dever profissional e social; num hospital, num Lar de idosos ou em casas de acolhimento para crianças e jovens; em viagem ou em condições de doença e debilidade; em companhia de outras pessoas ou na solidão do esquecimento. Um Feliz e Santo Natal na comunhão com Deus invisível, mas presente no coração de cada um.
1. Chegamos ao Natal com a amarga sensação de que o projeto de civilização inaugurado pelo próprio nascimento de Jesus Cristo, e maturado ao longo dos séculos, está a regredir.
As guerras em curso, na Ucrânia, no Médio-Oriente, ou na República Centro Africana; a crise ecológica mundial; a tragédia do não-acolhimento dos migrantes… são sintomas disso mesmo.
Também no nosso país, as notícias do aumento da pobreza, do número de famílias que, na labuta do dia-a-dia, têm cada vez mais dificuldade em fazer face às necessidades básicas são sinais de um país que dificilmente consegue estar à altura de dar uma vida digna aos seus cidadãos: de lhes proporcionar os devidos cuidados de saúde e de habitação; uma educação condigna, onde haja professores e condições para ensinar e aprender, enfim, de abrir perspetivas de futuro para todos.
2. Evoco estas circunstâncias porque, desde o anúncio profético que declarava “a Luz brilhou nas trevas”, que o Natal, precisamente, nos move a considerar os inóspitos panoramas humanos e existenciais, porque é aí, sempre aí, nos estábulos da exclusão, nas manjedouras da marginalização e nas periferias da noite que o Filho de Deus nasce.
Num dos seus poemas mais conhecidos sobre o Natal, Fernando Pessoa evoca a chuva e a neve que fazem mal e o frio que ainda é pior, como se nos lançasse um convite para olhar e revisitar as geografias rigorosas do ser humano – da sua vida e da sua história – e também da sociedade: porque é aí, nessas paisagens hostis, que surge a incontestável beleza e alegria.
Sim, é nos não-lugares que Jesus Cristo nasce incessantemente. Nos escombros de projetos fracassados, nas ruínas de sonhos desvanecidos, Deus faz-se homem;
o seu Verbo irrompe para inaugurar caminhos de esperança e de vida;
para estabelecer Pontes de encontro com todos, todos, todos;
é Ele, Fonte de toda a proximidade que faz brilhar a luz do amor que dissipa as trevas do ódio;
é o Caminho que nos mobiliza para a cultura da paz, da bondade e da concórdia.
3. O Natal, portanto, convoca o melhor do ser humano, e sintoniza-nos com o que de mais belo ele é capaz: é capaz do conhecimento sublime de Deus como Pai, e de cada um se ver como irmão e irmã;
é capaz de compaixão por quem sofre e se sente derrotado da vida;
é capaz de amar o próximo e de por ele dar a sua própria vida;
é capaz de abraçar a causa do ser humano, pela sua liberdade, pela paz no mundo, e combater por ela, sujeitando-se a todos os sacrifícios.
Sim, o Natal convoca o melhor que temos porque Jesus, o Emanuel, é o Deus connosco.
4. Mas, o Natal vai mais além: independentemente da etnia e da cultura, o mundo inteiro vê confirmado o Projeto de Deus na humanidade. Ele não desiste das pessoas. Sente-se a força de uma confiança renovada em cada um, em cada mulher e em cada homem. Ele próprio se faz homem, faz-se um de nós, em todas as circunstâncias da Vida.
Na sua caminhada histórica e espiritual, a humanidade sempre intuiu que a identificação de um “Eu” a um “tu” era a forma suprema e sublime do amor.
Assim, quando o próprio Deus se faz homem, em Jesus Cristo, se identifica connosco, estamos perante a mais pujante afirmação de confiança na humanidade e na presença da mais bela declaração de amor aos homens e mulheres por Ele amados. E, pressentimos que só o amor é decisivo para afirmar, promover e salvaguardar a dignidade dos seres humanos criados à sua imagem e semelhança.
Que as luzes das cidades não ofusquem a Verdadeira Luz trazida pelo Deus Menino, Ele que é a Luz do mundo.
Um Santo e Feliz Natal.
† RUI, Patriarca de Lisboa