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Mensagem de Natal do Patriarca de Lisboa, D. Rui Valério

Caros amigos,

Obrigado por dispensarem algum do vosso tempo para me escutar. 

Uma abençoada noite, seja em casa, no aconchego da família, ou no cumprimento do dever profissional e social; num hospital, num Lar de idosos ou em casas de acolhimento para crianças e jovens; em viagem ou em condições de doença e debilidade; em companhia de outras pessoas ou na solidão do esquecimento. Um Feliz e Santo Natal na comunhão com Deus invisível, mas presente no coração de cada um.

1. Chegamos ao Natal com a amarga sensação de que o projeto de civilização inaugurado pelo próprio nascimento de Jesus Cristo, e maturado ao longo dos séculos, está a regredir.

As guerras em curso, na Ucrânia, no Médio-Oriente, ou na República Centro Africana; a crise ecológica mundial; a tragédia do não-acolhimento dos migrantes… são sintomas disso mesmo.

Também no nosso país, as notícias do aumento da pobreza, do número de famílias que, na labuta do dia-a-dia, têm cada vez mais dificuldade em fazer face às necessidades básicas são sinais de um país que dificilmente consegue estar à altura de dar uma vida digna aos seus cidadãos: de lhes proporcionar os devidos cuidados de saúde e de habitação; uma educação condigna, onde haja professores e condições para ensinar e aprender, enfim, de abrir perspetivas de futuro para todos.

2. Evoco estas circunstâncias porque, desde o anúncio profético que declarava “a Luz brilhou nas trevas”, que o Natal, precisamente, nos move a considerar os inóspitos panoramas humanos e existenciais, porque é aí, sempre aí, nos estábulos da exclusão, nas manjedouras da marginalização e nas periferias da noite que o Filho de Deus nasce.

Num dos seus poemas mais conhecidos sobre o Natal, Fernando Pessoa evoca a chuva e a neve que fazem mal e o frio que ainda é pior, como se nos lançasse um convite para olhar e revisitar as geografias rigorosas do ser humano – da sua vida e da sua história – e também da sociedade: porque é aí, nessas paisagens hostis, que surge a incontestável beleza e alegria.

Sim, é nos não-lugares que Jesus Cristo nasce incessantemente. Nos escombros de projetos fracassados, nas ruínas de sonhos desvanecidos, Deus faz-se homem;

o seu Verbo irrompe para inaugurar caminhos de esperança e de vida;

para estabelecer Pontes de encontro com todos, todos, todos;

é Ele, Fonte de toda a proximidade que faz brilhar a luz do amor que dissipa as trevas do ódio;

é o Caminho que nos mobiliza para a cultura da paz, da bondade e da concórdia.

3. O Natal, portanto, convoca o melhor do ser humano, e sintoniza-nos com o que de mais belo ele é capaz: é capaz do conhecimento sublime de Deus como Pai, e de cada um se ver como irmão e irmã;

é capaz de compaixão por quem sofre e se sente derrotado da vida;

é capaz de amar o próximo e de por ele dar a sua própria vida;

é capaz de abraçar a causa do ser humano, pela sua liberdade, pela paz no mundo, e combater por ela, sujeitando-se a todos os sacrifícios.

Sim, o Natal convoca o melhor que temos porque Jesus, o Emanuel, é o Deus connosco.

4. Mas, o Natal vai mais além: independentemente da etnia e da cultura, o mundo inteiro vê confirmado o Projeto de Deus na humanidade. Ele não desiste das pessoas. Sente-se a força de uma confiança renovada em cada um, em cada mulher e em cada homem. Ele próprio se faz homem, faz-se um de nós, em todas as circunstâncias da Vida.

Na sua caminhada histórica e espiritual, a humanidade sempre intuiu que a identificação de um “Eu” a um “tu” era a forma suprema e sublime do amor.

Assim, quando o próprio Deus se faz homem, em Jesus Cristo, se identifica connosco, estamos perante a mais pujante afirmação de confiança na humanidade e na presença da mais bela declaração de amor aos homens e mulheres por Ele amados. E, pressentimos que só o amor é decisivo para afirmar, promover e salvaguardar a dignidade dos seres humanos criados à sua imagem e semelhança.

Que as luzes das cidades não ofusquem a Verdadeira Luz trazida pelo Deus Menino, Ele que é a Luz do mundo.

Um Santo e Feliz Natal.

† RUI, Patriarca de Lisboa