Começamos a caminhada quaresmal iluminados pela esperança posta em Cristo vivo e ressuscitado. Assim, os quarenta dias de preparação para a Páscoa são uma oportunidade para prepararmos o íntimo de cada um de nós para acolher o dom da vida nova, a graça divina, que dissipa as trevas do erro, da morte e do pecado e implanta a luz da fé, da esperança e da caridade.
Na vivência do Ano Jubilar, somos convidados de forma particular a dirigir o nosso coração para Deus: Ele é a fonte da vida verdadeira. A recordação da travessia do deserto pelo Povo de Israel, depois da libertação da escravidão do Egipto, recorda os vários níveis de esperança.
Primeiro, somos chamados a uma esperança que tem consequências sociais: o Deus que libertou da escravidão é o mesmo Deus que hoje quer libertar a humanidade da guerra, da violência e do ódio. Só uma sociedade totalmente voltada para Deus pode encontrar razões para encetar caminhos de verdadeira paz, construtora de uma civilização do amor e da cultura do encontro.
Em segundo lugar, somos chamados a uma esperança que tem consequências nas nossas famílias e nas nossas paróquias e comunidades cristãs: o Deus que liberta é também o Deus que faz o dom do culto novo da liberdade e da dedicação a Deus. As comunidades cristãs são chamadas a ser lugar da esperança, em que cada um é acolhido e em que se faz verdadeiro caminho de comunhão com Deus, lugares e espaços em que não se desiste de ninguém, mas em que se vive o verdadeiro compromisso de fraternidade cristã.
Em terceiro lugar, somos chamados a uma esperança que tem consequências na vida de cada um de nós: o Deus que liberta é também o Deus que faz o dom dos Mandamentos. A Quaresma é tempo particular de renovação interior, de purificação dos esquemas mesquinhos e egoístas e de um encontro com Deus que oferece uma nova forma de viver.
Finalmente, os frutos renovadores operados pela força da esperança, repercutem-se ainda na conceção da própria história. O empenho do cristão no mundo deve ser pautado pelo mistério da Eucaristia, onde os elementos da terra (pão e vinho) passam para a definitiva dimensão divina, o Corpo e o Sangue de Cristo; assim, o «já» do presente da humanidade abre-se ao «ainda-não» da plenitude da vida de Deus. Em Cristo, a esperança recoloca Deus no centro da história, tal como abre, nos factos e acontecimentos do tempo, janelas e estradas que nos encaminham nos horizontes da santidade para a plenitude da vida eterna.
Não podemos chegar ao fim da Quaresma e ficar tudo na mesma. Rezamos e lutamos para que se encontrem verdadeiros caminhos de renovação espiritual, comunitária e social. Por isso, faço votos de uma Quaresma muito cheia de frutos de vida eterna para todos, revivendo as tradicionais práticas do jejum, da esmola e da oração, de forma sempre nova e criativa.
De toda esta caminhada de conversão, resulta habitualmente a renúncia quaresmal, sinal de partilha com algumas realidades que se veem necessitadas de ajuda. Assim, resultou da renúncia quaresmal de 2024 do Patriarcado de Lisboa o valor de 195 906,71€ que é dedicada ao apoio das finalidades anunciadas.
Neste Ano Jubilar de 2025, a renúncia quaresmal será destinada a alguns dos sinais de esperança que o Papa Francisco indicou na bula de convocação do Ano Jubilar, Spes non confundit. Para «que o Jubileu seja, na Igreja, ocasião para um impulso a favor» dos jovens (n.º 12), destina-se parte da renúncia ao Centro «Tsarazaza», uma instituição que acolhe crianças órfãs e outras originárias de famílias muito pobres na diocese de Mananjary-Madagáscar, cujo Bispo é D. Alfredo Caires.
E como podemos não responder ao desafio do Santo Padre de «olhar para o futuro com esperança [que] equivale a ter uma visão da vida carregada de entusiasmo para transmitir» (n.º 9)? Assim, outra parte da renúncia será destinada à Associação Apoio à Vida.
Depois, o pensamento do Papa para os presos que, «privados de liberdade, além da dureza da reclusão, experimentam dia a dia o vazio afetivo, as restrições impostas e, em não poucos casos, a falta de respeito», em vista de percorrerem «percursos de reinserção na comunidade» (n.º 10), leva-nos a dedicar outra parte da renúncia à Associação O Companheiro, uma Instituição Particular de Solidariedade Social, sem fins lucrativos e de utilidade pública, que promove a reintegração na sociedade e previne a reincidência criminal de reclusos.
Invoco sobre cada um de vós a bênção de Deus e faço votos de uma Santa Quaresma!
Lisboa, 5 de março de 2025.
† RUI, Patriarca de Lisboa